Anotações: Good Strategy / Bad Strategy — Richard Rumelt

Bruna Rasmussen
8 min readJul 20, 2021

Estas são minhas anotações pessoais sobre o livro Good Strategy / Bad Strategy, do Richad Rumelt.

Nota: li a edição em inglês, então todas as citações em português são tradução livre. O trecho original, em inglês, estará logo abaixo.

Certa vez, ouvi o founder de uma startup dizer: “a estratégia é tentar todas as abordagens comerciais e ver o que funciona”.

Lembrei desse momento muitas vezes enquanto lia Good Strategy / Bad Strategy, obra do Richad Rumelt, consultor de estratégia e professor na UCLA. Neste livro, Rumelt se propõe a decompor o que é estratégia e, talvez ainda mais importante, dizer o que não é estratégia.

"O cerne do trabalho de estratégia é sempre o mesmo: encontrar os fatores-chave de situações e desenhar uma forma de coordenar e focar ações para lidar com esses fatores."

The core of strategy work is always the same: discovering the critical factors in a situations and designing a way of coordinating and focusing actions to deal with those factors.

O trabalho dos líderes das organizações é identificar os maiores obstáculos que o time tem para alcançar uma visão e propor um plano para chegar lá.

Ser ambicioso, inovar, construir a funcionalidade Y, crescer 3x em marketshare, reduzir custos em 15% são valores e objetivos que podem fazer parte da forma como o time opera e demarcar o progresso das organizações em uma estratégia, mas definitivamente não são a estratégia em si .

Durante a leitura, me chamou a atenção o quanto que o processo de criação de uma estratégia se assemelha ao processo de criação de um Produto: diagnosticar e priorizar problemas, definir princípios, levantar possíveis ações, mensurar trade offs e ajustar conforme os resultados obtidos.

"Uma nova estratégia é, na linguagem da ciência, uma hipótese, e sua implementação é uma experiência. Conforme os resultados aparecem, os bons líderes aprendem mais sobre o que funciona e o que não funciona e ajustam suas estratégias de acordo."

A new strategy is, in the language of science, a hypothesis, and its implementaiton is an experiment. As results appear, good leaders learn more about what does and doesn’t work and adjust their strategies accordingly.

Decompondo a estratégia

A criação de uma estratégia é composta por três componentes:

1️⃣ Diagnóstico: identificar os obstáculos para alcançar uma visão e definir o principal deles.
2️⃣ Diretriz política: a abordagem utilizada para enfrentar os obstáculos identificados no diagnóstico.
3️⃣ Ações coerentes: ações coordenadas e plausíveis, emprego de recursos e execução da abordagem de diretriz política.

Rumelt usa o trabalho de um médico para ilustrar esses componentes: a partir de uma série de sinais e sintomas, o médico consegue diagnosticar a doença (o desafio). A abordagem terapêutica é a diretriz política do médico, que é executada a partir de uma série de recomendações de medicamentos, dieta e repouso (ações)

👉 Diagnóstico

Ter um diagnóstico é definir o desafio. Analisar as forças e fraquezas da empresa ou produto e seu posicionamento no mercado é só o primeiro passo para fazer o diagnóstico dos obstáculos.

É necessário dissecar a estrutura do desafio e compreender profundamente a situação, a fim de simplificar a realidade. Ter precisão sobre o desafio também permite que a estratégia seja recalibrada caso as circunstâncias mudem.

"Uma boa parte do trabalho de estratégia é tentar entender o que está acontecendo. Não decidir o que fazer, mas o problema fundamental de compreender a situação."

A great deal of strategy work is trying to figure out what is going on. Not just deciding what to do, but the more fundamental problem of comprehending the situation.

Muitas vezes, vemos empresas e times olhando para vários alvos ao mesmo tempo e com objetivos diferentes, sem conseguir identificar e se comprometer com o desafio principal.

Sem reconhecer o principal desafio, não podemos avaliar a melhor estratégia a ser usada e acabamos tendo apenas objetivos de performance ou uma lista de coisas que gostaríamos que acontecesse ao nosso produto ou empresa.

"Boa Estratégia exige líderes que estejam dispostos e capazes de dizer não para uma série de ações e interesses."

Good strategy requires leaders who are willing and able to say no to a wide variety of actions and interests.

👉 Diretriz política

A diretriz política é o método a ser utilizado para vencer um obstáculo. Como o guarda corpo de uma estrada, criam-se alguns limites, mas não se dita exatamente a ação a ser realizada ou sua velocidade.

Boas diretrizes políticas são parâmetros que ajudam na definição de ações. A intenção de definir uma abordagem é poder antecipar ações e reações, reduzir a complexidade da situação e explorar alavancas do negócio.

"Boa estratégia não é somente o “o que” você está tentando fazer. É também o “por quê” e o “como” você está fazendo."

Good strategy is not just “what” you are trying to do. It is also “why” and “how” you are doing it.

👉 Ações coerentes

A estratégia não existe sem execução. Por isso, definir e coordenar ações que sejam possíveis e que estejam dentro da diretriz política é fundamental para endereçar o problema definido.

Sem coerência e complementaridade, ações podem trazer resultados conflitantes ou atender a diferentes objetivos, enfraquecendo a estratégia. Com ações coordenadas, criam-se alavancas para ultrapassar obstáculos.

Fontes de Poder

Uma boa estratégia irá usar uma ou mais fontes de poder para superar o obstáculo. Rumelt descreve sete delas:

👉 Alavancagem

A alavancagem estratégica consiste em uma mistura de antecipação e insights para identificar pontos críticos e concentrar esforços sobre eles. Antecipar requer considerar preferências, comportamentos e políticas do mercado, concorrentes e da tecnologia.

Um ponto crítico é algo que aumenta o efeito do esforço. É um desbalanço intencional ou natural na situação, em que um pequeno ajuste pode desencadear grandes resultados.

👉 Objetivos próximos

Definir um objetivo preciso e alcançável dentro do horizonte de visão, reduzindo a ambiguidade e complexidade. O objetivo não precisa ser fácil ou pouco ambicioso, mas possível.

Um exemplo é a chegada do homem à Lua. Kennedy tinha os recursos de ciência e tecnologia necessários. Tudo o que ele precisava fazer era focar e coordenar os recursos para cumprir o objetivo.

👉 Sistemas de elos de corrente

Pense em uma corrente: ela é tão forte quanto seu elo mais fraco. Para se tornar mais forte, a corrente precisa ser fortalecida como um todo. E se uma organização consegue criar uma corrente forte, isso se torna difícil de ser replicado pelos concorrentes.

Pense na IKEA, por exemplo, que é responsável por criar seus próprios móveis, construir suas lojas e gerenciar toda a cadeia de suprimentos. Seu negócio é baseado em uma corrente que, ao mesmo tempo que torna a IKEA única, pode ser comprometido caso um dos elos se torne um gargalo.

👉 Design

Estratégia é encaixar as pecinhas para que, no todo, sejam coerentes. Criar uma diretriz política e definir ações coerentes e coordenadas é uma fonte de poder incrível, já que é algo tão difícil de ser realizado.

Mais do que uma escolha ou um plano, estratégia é um problema de design pois envolve vários elementos que precisam ser ajustados e coordenados.

"Uma estratégia do tipo design é uma hábil configuração de recursos e ações que produz uma vantagem em uma situação desafiadora. Dado um conjunto de recursos, quanto maior o desafio competitivo, maior a necessidade de uma integração inteligente e rigorosa de recursos e ações."

A design-type strategy is an adroit configuration of resources and actions that yields an advantage in a challenging situation. Given a set bundle of resources, the greater the competitive challenge, the greater the need for the clever, tight integration of resources and actions.

👉 Foco

Atacar um segmento específico pode trazer mais valor do que tentar abocanhar todo o mercado. Com foco, a empresa pode coordenar políticas que produzem efeitos compostos, aumentando a chance de sucesso.

Essa é uma fonte de poder muito utilizada no desenvolvimento de Produtos. Quando se foca em um público específico, a empresa consegue entregar mais valor para esse segmento, criando uma base de clientes leal.

👉 Crescimento

Crescer de forma saudável não é uma estratégia, mas o resultado da aplicação de inovação, eficiência e criatividade. Crescer nem sempre é bom, especialmente se o crescimento for um resultado de curto prazo que compromete o longo prazo.

"A proposta de que o próprio crescimento cria valor está tão profundamente enraizada na retórica dos negócios que se tornou um artigo de fé quase inquestionável que o crescimento é uma coisa boa."

The proposition that growth itself creates value is so deeply entrenched in the rhetoric of business that it has become an article of almost unquestioned faith that growth is a good thing.

👉 Vantagens

Identificar assimetrias que podem ser transformadas em vantagens competitivas é parte do trabalho dos líderes das empresas. Fortalezas e fraquezas são relativas pois dependem do contexto e da comparação.

Para evitar cair na caixinha dos commodities, é necessário ressaltar suas fortalezas e evitar que os competidores as repliquem. Essas vantagens podem existir na forma de patentes (o que Rumelt chama de mecanismo de isolamento), reputação, marca, efeitos de rede, economia de escala e habilidades.

"Uma vantagem competitiva se torna mais valiosa quando o número de compradores cresce e/ou quando a quantidade demandada por cada comprador aumenta."

A competitive advantage becomes more valuable when the number of buyers grows and/or when the quantity demanded by each buyer increases.

👉 Dinâmica

Esta é uma fonte de poder exógena. As dinâmicas são ondas de mudanças que atingem toda a indústria e podem ter um teor regulatório, político, de percepção do cliente ou de cenário competitivo.

A onda pode ser explorada à medida que você prevê a evolução do cenário e foca seus recursos e inovações para estar em uma posição de vantagem perante a concorrência.

Rumelt cita alguns guias que podem ser úteis para antecipar a chegada de uma onda:

💡 Aumento de custos fixos: neste caso, somente os maiores players da indústria perseveram, pois os menores não conseguem bancar os custos.
💡Desregulação: mudanças em políticas governamentais criam grandes ondas, especialmente em setores altamente regulados, como finanças, aviação e seguros.
💡Viés previsível: em geral, quando um produto ou empresa tem um pico de sucesso, ninguém pensa que logo o pico possa decair. As pessoas tendem a pensar que o sucesso é uma linha contínua de crescimento. Prever o acontecimento desses picos de sucesso pode ser um “pulo do gato”.
💡Resposta em conformidade: em geral, esperamos que empresas bem estabelecidas resistam a grandes ondas de mudanças — spoiler: isso nem sempre é verdade.
💡Estados de atração: como uma empresa deveria agir frente a forças de tecnologia e demanda? Para onde essa indústria está caminhando? Entender a estrutura desses estados de atração, combinado com o conhecimento de mercado, pode resultar em uma base de estratégia.

👉 Inércia e Entropia

Inércia é a relutância ou inabilidade de uma empresa em se adaptar. Em uma estratégia, isso pode ser usado para antecipar o comportamento de grandes players de uma indústria frente a mudanças que alteram seu cerne.

A Netflix, por exemplo, explorou a incapacidade da Blockbuster em abandonar o foco nas lojas físicas.

"Estratégias bem sucedidas muitas vezes se devem à inércia e à ineficiência dos rivais."

Successful strategies often owe a great deal to the inertia and innefficiency of rivals.

Já a entropia diz respeito à desordem que geralmente aumenta em sistemas isolados. Ao longo do tempo, empresas passam a ser menos organizadas e menos focadas.

É possível usar isso internamente, garantindo que os objetivos estejam alinhados, e também externamente, antecipando que a entropia irá acontecer com seus concorrentes.

"O maior desafio de uma organização pode não ser as ameaças ou oportunidades externas, mas sim os efeitos da entropia e da inércia. Em tal situação, a renovação organizacional torna-se uma prioridade. A transformação de uma organização complexa é um desafio intensamente estratégico."

An organization’s greatest challenge may not be external threats or opportunities, but instead the effects of entropy and inertia. In such a situation, organizational renewal becomes a priority. Transforming a complex organization is an intensely strategic challenge.

Em resumo

Uma boa estratégia consiste em:

1️⃣ Antecipação;

2️⃣ Uma diretriz política que reduz complexidade; e

3️⃣ O uso dos poderes de design, foco, uso de vantagem competitiva, aproveitar uma onda dinâmica de mudanças e entender o papel da inércia e entropia em seus competidores e em sua própria organização.

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Bruna Rasmussen

👋 Lifelong learner | Product Manager 👩‍💻 | Escrevo sobre organização e produtividade, produto digital e um pouquinho sobre a vida | 🏳️‍🌈 ♀️ | she/her