Resolver é melhor que ter razão: um exercício contra a birra

Bruna Rasmussen
5 min readDec 12, 2017

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A birra costuma ser tão ridícula quanto essa foto de stock.

O interfone tocou e eu saltei do sofá, onde confortavelmente consumia alguns minutos do sábado jogando Candy Crush. Do outro lado da linha, alguém na portaria do prédio informava que o carro em minha vaga de garagem estava mal estacionado, invadindo a área da vizinha. A voz explicava ainda que a situação levou a vizinha a formalizar uma reclamação no livro de ocorrências do prédio e eu deveria imediatamente puxar o carro para dentro da limitação de vaga que me é de direito.

Levei um susto. A última vez que meu nome apareceu em um livro de ocorrência de prédio foi quando eu tinha uns 22 anos e fiz uma festa de arromba para o meu aniversário, fazendo caber mais de quinze pós-adolescentes/quase-adultos barulhentos e vários fardos de cerveja dentro de um apê quarto-sala, provocando a ira de aproximadamente 17 donos de outros apês. Desde então, tenho sido um exemplo de vizinha e moradora, respeitando horários, comunicando ao síndico e à portaria qualquer irregularidade ou necessidade de melhoria no edifício e até cumprimentando no elevador.

Desci imediatamente. No caminho até a garagem, ponderava se eu realmente havia largado o carro, emprestado do meu pai, já que a vaga de trás estava o tempo todo livre, devido ao vizinho não estar morando no prédio ainda. Poderia ainda ter havido algum equívoco na reclamação. Poderiam ter errado o carro. Poderiam ter errado a vaga. Ao chegar na garagem, fato constatado: a bunda do sedã estava invadindo o território vizinho em cerca de 15 centímetros. Quinze centímetros. Quinze. Sabe quando é quinze centímetros? Estenda seus dedos e olhe para a palma da sua mão. Aí estão aproximadamente quinze centímetros.

Após contemplar a invasão de vaga por alguns segundos, olhei ao redor esperando encontrar a vizinha bufando, estarrecida com minha falta de habilidade ao volante ou consciência coletiva. Não havia ninguém. Nem carro na vaga de trás. Nem na da frente. Nem dos lados. Nada. Puxei o carro mesmo assim, garantindo que estivesse ocupando estritamente o espaço da faixa amarela. Subi.

Voltando ao apê, liguei na portaria. “Tem certeza de que era o meu carro?” “Sim, senhora. Placa XPTO.” “Bom, eu já tirei, mas estava somente quinze centímetros dentro da vaga.” “Entendo, mas foi feita a reclamação, por isso tive de ligar.” “Caramba, mas eram quinze centímetros, isso é bizarro.” “Olha, não sei o que te dizer, mas tive que ligar, houve a reclamação e registro de ocorrência.” “Cacete! Ok, está resolvido…” Desliguei puta. Era uma porra de um palmo. A menos que o carro da criatura fosse um ônibus, em nada iria prejudicar o uso da vaga. Um palmo. A pessoa não usa a vaga nunca, chegou agora e, por conta de um palmo, me colocou no livro de ocorrência. Não precisava de tanto. Me senti ultrajada. Genuinamente ofendida. E o carro da vizinha sequer estava lá!

E por diversas vezes nossas ações se deixam seguir o caminho da birra, do dreno de energia e do ranço.

Estava pronta para enviar um email ao síndico, descobrir quem era a moradora, anotar seu nome em meu livrinho pessoal dos rancores e criar engenharias de vingança oportunas para aliviar um sentimento de injustiça. Por dois segundos isso fez sentido em minha cabeça. Mas aí lembrei do melhor aprendizado que tive este ano: resolver é melhor do que ter razão.

E falando em razão, ela tinha razão de que o carro estava invadindo a área de sua vaga. Tecnicamente, um, quinze ou oitenta centímetros, isso não muda em nada a invasão. Tecnicamente, ela tinha o direito de reclamar no livro de ocorrências. Mas, ao meu ver, não tinha razão em usar o livro. Ao meu ver, faltou bom senso. Ao meu ver, foi uma certa birra. Mas no fim das contas, eu quase comprei a birra dela, quase pisei fora da linha, adentrando a perigosa área chamada briga imbecil de vizinho. E isso, cá entre nós, ninguém precisa disso!

Todo mundo racionalmente entende a birra como parte de uma atitude infantil formada pelo querer por querer. A birra é aquele pirralho chato esperneando, jogado no chão frio e manchado do supermercado, enquanto tenta convencer a mãe a levar aquele pacote de bolacha recheada caro pra porra que viu na propaganda da tevê, usando como argumento as pessoas admirando a cena com desprezo e a estridência da manha destruindo os tímpanos. A necessidade de provar um ponto ou de conseguir algo a qualquer custo, sem que haja uma finalidade racional específica clara, guiada pelo prazer secreto de ver o outro curvar-se perante seu desejo é observada o tempo todo nas interações do jardim de infância, da quinta série. Mas a verdade, senhoras e senhores, é que a quinta série nunca acaba. E por diversas vezes nossas ações se deixam seguir o caminho da birra, do dreno de energia e do ranço.

Eu, você, seu chefe, seus amigos, seus pais, Steve Jobs e até o Presidente da República (especialmente o dos Estados Unidos…). Todo mundo tem suas birras fora de época. Seja na rua, no trabalho ou num bar, todo mundo já comprou uma briga desnecessária e já teve suas ações guiadas pela necessidade de ter razão. Sabe quando você quase causou um acidente de trânsito porque quis provar para o motorista que fazia uma cagada gigante na tua frente que ele estava errado? Ou quando quase colocou tudo a perder em um projeto do trabalho ao arrumar um ranço sem fim com um colega? Analise aquela situação. Pare por um instante e pense bem naquele momento. Você queria resolver ou provar seu ponto?

Resolver não é tão simples quanto parece. O caminho para alcançar as coisas ou ter o cenário de um jeito adequado para o que você precisa às vezes envolve fazer e ouvir coisas com as quais você não concorda ou não vê razão e/ou valor. Lembra quando sua mãe te fazia pedir desculpas para seu irmão mesmo ela entendo que foi ele quem começou a briga? Ela queria resolver. Você queria ter razão. O quão difícil foi dar aquele aperto de mão a contragosto? O quanto aquilo resolveu a situação e vocês voltaram à brincadeira alguns minutos depois, sem grandes danos? Vida que segue.

Já dizia a frase do Pinterest: your ego is not your amigo.

Por mais racionais que julguemos ser, nem sempre resolvemos situações de forma lógica. Questões emocionais geralmente estão entrelaçadas no cerne do problema e o nosso amigo da onça, o ranço, por vezes põe tudo a perder. Dar um passo para trás e analisar a situação a partir de um ponto de vista externo e racional costuma ajudar a separar o problema da birra. Ao se deparar com uma questão que tira você do sério, pare e se pergunte “estou querendo resolver ou quero ter razão?”. Já dizia a frase do Pinterest: your ego is not your amigo.

O exercício não é nada simples e — prepare o estômago! — vem bem servido de sapos, mas leva você diretamente onde quer chegar. Neste momento, uma das abas abertas no computador é um email que escrevo ao síndico lamentando o ocorrido e pedindo desculpas pelo descuido ao estacionar, além de fornecer meu número pessoal de telefone e pedir que o encaminhe à moradora que fez a reclamação, a fim de que ela possa entrar em contato direto comigo caso haja qualquer problema. Meu objetivo? Não levar qualquer tipo de sanção no condomínio e evitar gastar energia com briguinhas de vizinho. Afinal de contas, tenho mais o que fazer! Problema resolvido ;)

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Written by Bruna Rasmussen

👋 Lifelong learner | Product Manager 👩‍💻 | Escrevo sobre organização e produtividade, produto digital e um pouquinho sobre a vida | 🏳️‍🌈 ♀️ | she/her

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